A
CRUELDADE DO TEMPO.
A História Universal nos conta
que através dos tempos a humanidade sempre teve inclinação para a construção de
heróis. A Bíblia identifica personagens como Noé, Moisés, Davi, Sansão, Pedro,
Paulo, João Batista e, também mulheres que se destacaram como Débora, Jael, Ester,
Maria, Abigail e tantas outras. O traço comum dessas pessoas é ter colocado sua
causa, a sua crença, acima de tudo e de todos, inclusive, de si mesmo, agindo
estoicamente, sem deter-se ante os empecilhos.
A medida que o mundo foi evoluindo,
o conceito de heroísmo se expandiu tomando visões diferenciadas; assim embora
virtudes como a honestidade, a coragem, a ética, o equilíbrio, a busca e a
prática do bem, estejam presentes, como
aspectos que tendem a ser um elo na construção de personalidades heróicas , há sempre um catalisador que chama
a atenção e repercute na história .
Assim o herói que abraçou uma
religião, uma ideologia, a defesa de uma posição relevante para o momento
histórico, apesar de festejado e reverenciado, por séculos, na velocidade
ditada pela atualidade, parece estar
perdendo a simbologia que a simples menção de sua pessoa, de seu nome, acarretava.
É claro que nichos heróicos
resistem ao desgaste do tempo, do natural distanciamento que a sociedade
utiliza para sepultar atos, fatos e pessoas.
Aqueles que não mais conseguem traduzir uma densidade que os faça,
indefinidamente, permanecer com o status que entrou para a história, vão
perdendo a condição heróica e cada vez tornando-se vultos históricos
desconhecidos ou apenas regionais.
Adita-se ao natural
despojamento da condição heróica, por falta de memória mesmo, as espoliações
ditadas pelos donos da situação e a ocasião que a sociedade atravessa. Houve um
tempo em que personagens como Tiradentes, Ana Neri, Frei Caneca, José Bonifácio
de Andrada e Silva, Pedro I, Anita Garibaldi, eram conhecidas, admiradas e
havia toda uma preparação para que o heroísmo dessas pessoas fosse preservado.
Todavia, ao que parece se volatizaram, perderam o elã. São
estudados nas escolas, mas não se popularizam, não são personagens
reconhecidas pelos jovens – que são donos do futuro.
Quem não preserva o passado, terá
no futuro uma pálida idéia de suas origens, se a tiver. Entretanto, é comum vermos tentativas de negar o passado, de
tratar o que já ocorreu como se fosse um livro onde paginas foram escritas, não
agradam aos leitores atuais e devem ser eliminadas.
Todos, de alguma forma, já
ouviram falar em Adolf Hitler, racista e anti-semita, uma das criaturas mais
repudiadas pela humanidade. O registro da morte de mais de 6.000.000 (seis
milhões) de Judeus tornou o Presidente do Partido dos Trabalhadores Alemães – O
Partido Nazista – mundialmente famoso. Todavia sua fama resultou da morte de
judeus, ciganos, testemunhas de Jeová, deficientes físicos e mentais, eslavos, poloneses,
homossexuais, além do uso de seres humanos em experiências médicas e militares. Tudo em nome da etnia Ariana.
O autor do holocausto poderia
ser unanimidade. Mas não o é. Em diversos momentos tive o desprazer de ouvir e
ver atos em honra de Adolf Hitler. Igualmente, jovens, sem esperanças e sem
qualquer senso de humanidade, insistem em ressuscitar o partido Nazista. Hitler
tem que ser lembrado, do mesmo modo as atrocidades, crimes, dores, desenganos,
tristezas e horrores por ele patrocinados, até mesmo para que não se permita o
reaparecimento do vírus da loucura do Führer. A lembrança do genocídio poderá
impedir sua repetição.
Personagens da História
Universal como Joshep Stalin – que é apontado pela morte de mais de 20.000.00
(vinte milhões) de pessoas; Mao Zedog ou Mao Tsé-Tung, criador da política
“Grande salto para a frente”, que é acusado de matar de fome mais de 70.000.000
(setenta milhões) de Chineses; Kim
II-Sung, feroz fundador da Coréia do Norte, por sua vez é incriminado pela
morte, através da fome, de mais de 3.000.000. (três milhões) de coreanos; Idi
Amin Dada, sedento de sangue, Presidente de Uganda, foi responsável pela morte
de 500.000 (quinhentos mil) Ugandenses; Saddam Hussein, identificado como genocida que
causou a morte de mais de 200.000 (duzentos mil) curdos; na lista, ainda, Moammar Gaddhafi e Kim Jong-II, igualmente
tiranos, déspotas, assassinos violentos, incapazes de aceitar qualquer tipo de
oposição, também encontram admiradores, defensores e quem justifique os seus atos.
Tais ditadores, invariavelmente
cometeram crimes contra o seu povo. Mataram, estupraram, saquearam, despojaram
pessoas de seus bens, de sua honra. Sob o mesmo manto, da ditadura ou da
permanência no Poder, “por livre e espontânea pressão”, Fidel Castro que
segundo a Anistia Internacional matou 86.587 (oitenta e seis mil, quinhentos e
oitenta e sete) pessoas; bem como Hugo Chaves (recentemente falecido), são figuras
emblemáticas e que “governaram” sob os
auspícios da imposição, do terror e do mandonismo. Todavia também não existe
unanimidade em relação a qualificá-los como heróis ou vilões, suponho ser
grande o risco de qualquer tentativa de defini-los. É mais provável, ante a
camaradagem do governo atual, que sejam reconhecidos como heróis mundiais.
O Brasil titubeia entre
preservar a memória e agradar o poder. Cresce, vertiginosamente, o plano para excluir do cotidiano brasileiro figuras até bem pouco tempo reverenciadas.
Queremos apagar a História? Vamos adotar
a amnésia política? Será uma boa idéia,
não relembrar os fatos que antecedem as crises e suas consequências?
Comecemos, então, por Tiradentes.
Horrível, magro, com os cabelos desgrenhados e a barba por fazer. Certamente
não faz o tipo heroico atual. Conspirou contra os poderes estabelecidos. Não
serve para herói nacional, pode influenciar negativamente. Afinal a liberdade deve ser vigiada... E D.
Pedro I, que se opôs a Portugal e
subverteu a ordem dando um terrível exemplo, proclamando uma pseudo Independência...
E D. Pedro II, tão circunspecto. Pois é,
por sua total falta de desconfiança foi derrubado e substituído pela República,
aí sim, a coisa realmente desandou, tem que ser retirada dos livros de História,
uma página que não serve para nada.
A primeira República (1889 a
1930) com seus erros foi capaz de produzir figuras que oscilaram entre
alheamento e benesses. Por exemplo, Epitácio Pessoa, Paraibano, que, segundo publicações Paulistas, da época, “ para
privilegiar o Nordeste” construiu mais de 200 (duzentos) açudes. Possivelmente pensavam os políticos de então que tais construções foram
desnecessárias, é claro. Para tais pessoas no Nordeste chovia sempre. Pelo menos alguns pensavam
assim. Talvez se considere fato histórico, na atual conjuntura: a chamada Greve Geral de
1917; a fundação do Partido Comunista Brasileiro; o surgimento dos movimentos
sociais conhecidos como Contestados e Canudos; a figura de Lampião; o
aumento do voto de cabresto, o coronelismo e a marcha da coluna Prestes. Tudo
muito confuso e misturado, deverá ser
deletado da História?
Com Getúlio Vargas, encerra-se
a primeira República. O assassinato de João Pessoa, o golpe de Estado que
colocou Getúlio no poder, a Revolução de 1930, que lhe permitiu fazer marketing
político, propaganda pessoal, culto a sua personalidade, além de revelá-lo
simpatizante do nazismo, do fascismo e ter, em sua crescente ânsia pelo poder ter se tornado ditador. Entretanto, ocorreu,
também, a outorga de direitos sociais
aos trabalhadores, como a CLT e o salário mínimo, fatos que totalmente em consonância com a política atual valem a pena ser mantidos na memória nacional.
O que se dizer então da segunda
República que culminou em 1964 quando era Presidente João Goulart. Esse final
de governo foi marcado por greves, inflação desordenada, desabastecimento,
insegurança, invasões a propriedades rurais, crimes e medo. Mas, diante da atual contingência política a nos “guiar”,
não sei, ainda, se esse período vai permanecer como bandeira de luta ou ser apagado de nossas "mentes".
Quanto mais avança a história
mais confusa vai se tornando a nossa
História. A revolução de 1964 produziu toda a sorte de mudanças possíveis e
impossíveis, uma vez que regime de exceção é regime de suspensão de direitos.
Muitos foram perseguidos, presos, torturados, mortos e “suicidados”. Alguns
jamais conseguirão ter uma vida normal, outros buscaram ajuda profissional para
poder conviver com o horror que habita em suas memórias, outros tornaram-se
políticos profissionais, riquíssimos e ávidos por mais dinheiro e poder.
Em destaque figuras da política
atual. Um conhecido como herói e que tornou-se sinônimo de delação, continua
traindo e enganando de paletó e gravata; outro, cuja identidade era
desconhecida de sua mulher e filhos, permanece em sua rotina, cada vez mais
rico e aprontando; outro que consegue a fórmula mágica de fazer uma remuneração
de um salário mínimo potencializar-se transformando-se num império financeiro, recusa-se, terminantemente
a ensinar o pulo do gato aos beneficiários do bolsa família. Que egoísmo? Mesmo assim continuam seguindo o que o mestre
mandou fazer, muitos não ouvem, não falam e não vêem.
Como em todo processo de
transição política foram muitas as vítimas a cada vez que houve mudança
significativa. Assim aconteceu quando trabalhada a idéia da Independência e da
proclamação da República. Mesmo o inesperado Estado Novo, produziu suas
vítimas. A segunda República e a Ditadura Militar, imolaram nos altares da
vaidade, da intolerância, da cupidez humana, milhares de pessoas. Os imolados nunca se restringiram a um lado,
ambos perderam, vidas ceifadas não podem ser usadas como material de desforra.
A campanha e a materialização
de atos que importam em retirar de logradouros públicos os nomes ligados à
revolução ou a outro segmento político, é tão truculento quanto pode ter sido a
colocação desses. A diferença é que a retirada é atual e, portanto, suas
consequências serão atuais. Apagar a História poderá cobrar caro a seus
arquitetos.
Imaginem vocês trocar nomes de
locais que normalmente repetem-se pelo Brasil afora. Ruas Duque de Caxias, Marechal
Deodoro da Fonseca, Almirante Barroso, Brigadeiro Eduardo Gomes, Castelo Branco,
Ernesto Geisel, João Baptista Figueiredo, Emílio Garrastazu Medici, Arthur da
Costa e Silva, Aurélio de Lira Tavares, Augusto Rademaker, Márcio de Souza Melo, pode até não causar
grandes transtornos em cidades maiores, porém em localidades onde as pessoas
são mais simples, sem maiores informações o mínimo será a confusão nos já tão
conhecidos endereços.
Homenagear figuras como Carlos
Mariguella, Vladimir Herzog, Manoel Fiel Filho, João Amazonas, José Genoíno,
José Dirceu, Apolônio de Carvalho, Zuleika Angel Jones, Hugo Chaves, os irmãos
Castro e tantos outros que lutaram por seus ideais é uma opção que não se choca
com a História, não exclui, não induz ao erro de governos totalitários que
baniram livros, uso de certas palavras e expurgaram, artificialmente, figuras
históricas.
É muito tênue, em termos
históricos, a linha que separa o herói do vilão.
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