UM DIA DE MUITAS FACES!
Uma
tarde como outra qualquer. Um filme
exibido numa sessão chamada “Cinema de Arte”. Na tela, Audrey Hepburn dá vida a
jovem Gabrielle Van der Mal, filha de um famoso cirurgião, que resolve jogar
tudo para o alto em busca de seus sonhos: torna-se freira,
faz votos de obediência, pobreza e castidade, dedica-se a seus estudos de Medicina e espera ser enviada a África. Após
anos trabalhando em enfermarias é mandada para o Congo e ali conhece um médico
ateu, cínico e brilhante profissional interpretado por Peter Finch.
Daí
fatos que justificam o título e as interpretações dos protagonistas tornam o
filme, realmente, uma obra de arte. Aos doze anos, acompanhava minha mãe,
amante da sétima arte, e fomos surpreendidas na saída do cinema. Eram 18h e 30min,
o rebuliço, o corre-corre e a aflição
das pessoas mostravam que havia algo assustador: ocorrera um golpe de Estado, o
Presidente fora deposto. Enquanto nos comovíamos
com a ilusão, a vida escrevia uma história bem mais emocionante.
O
País continuou em polvorosa. Entre os dias 31 de Março e 1º de Abril de 1964, abateu-se
sobre nós, como se fosse uma lâmina afiada, o estranho golpe de Estado que
declarou vaga a cadeira Presidencial, pelo Exercito Brasileiro e não pelo Poder Legislativo, conforme previa a Constituição. O pronunciamento desencadeou uma sucessão de fatos que se
estenderiam por 21 anos, ecoando na sociedade e na memória do povo brasileiro. Instalara-se uma
revolução que se propunha a devolver aos nacionais o Estado Brasileiro, bem
como a legalidade e, abortar, no seu nascedouro, a concretização do poder nas
mãos de comunistas.
Ideologias
à parte, os acontecimentos ocorridos há 50 anos e que por razões diversas
fizeram de João Goulart protagonista, no olho do furacão, impuseram à nação perseguições, intolerância,
barbárie, medo, ódio, traumas, torturas,
desaparecimentos, mutilações e mortes.
O
horror, digno de caprichosa ficção, não privilegiou vítimas. Assim como para
a inquisição, ao novo Estado brasileiro tudo era motivo para imposição de
pesados fardos. Os Militares em consenso com Empresários, autores do golpe,
apoderaram-se da História e tentaram escrevê-la ao sabor de sua ordem, suas
crenças. Chegaram, assumiram o Poder, estabeleceram um regime de exceção e jugo
onde validaram suas práticas e não aceitavam insurreição. O Presidente foi
transformado num inimigo da nação e pseudo mentor de um golpe de esquerda que transformaria o Brasil numa nova Cuba.
A
história da revolução, com seus aspectos tristes, suas manobras e seus Generais
já foi contada e recontada milhares de vezes. Igualmente o foi a saga dos que estavam do outro
lado, os resistentes que integravam a Vanguarda Popular Revolucionária – VPR; o
Comando Geral dos Trabalhadores – CGT; a Confederação Nacional dos Trabalhadores
na Indústria- CNTI; a UNE - União Nacional dos Estudantes, além de outros jovens, estudantes ou não, em milhares de Centros Estudantis e Operários,
espalhados no Brasil a fora; intelectuais, jornalistas, artistas, políticos,
economistas, professores, religiosos, donas de casa, gente de todos os confins, todos os
credos e todas as raças.
Rompida
a Lei pela conspiração, subvertido o povo brasileiro pela estupidez da tortura,
dos assassinatos, da luta fratricida onde a delação funcionava como moeda de
troca, aquilo que se dissera e se apresentara como passageiro tornou-se
permanente, naufragando, cometendo erros crassos como combater o terrorismo
implantando um “terrorismo de direita”; buscar a erradicação da resistência
pela mordaça, pelo sepultamento em vida através da clandestinidade. A revolução
foi, aos poucos, anarquizada, moralmente falida e incapaz de se sustentar num discurso
corroído de defesa das instituições nacionais.
Mas
como em todos os fatos Políticos as baixas ocorreram para todos os
contendedores. A guerrilha urbana, os combates no Araguaia, as ações nos “aparelhos”,
também produziam órfãos, viúvas, segregação das famílias, enganos, seqüestros,
torturas e mortes.
A
minha memória registra o terror das famílias por seus filhos, isso em relação
aos militares e também à militância. Patrulhas ideológicas existiam em ambos os
lados e as intervenções na vida íntima desconheciam barreiras. Para os
militantes não havia família – ela desvirtuava a luta e desviava o “companheiro”
de suas convicções. Também não se podia falar em envolvimentos amorosos, tão
combatidos quanto os laços familiares, esses poderiam oportunizar mudança de rota
e entrega de companheiros. Apenas os
líderes puderam reconhecer seus amores e mesmo assim em momentos que se
mostravam interessantes á causa.
Cinquenta
anos não passam sem deixar marcas. Mortos continuam sem identidades. Desaparecidos
são, pouco a pouco identificados em extremadas confissões recheadas de cenas
macabras muito além da ficção. Vivos, modificaram-se de tal forma que no
melhor estilo “Chico Buarque” se pode pensar e dizer: ...Quem te viu, quem te
vê. Quem não a conhece não pode mais ver pra crer. Quem jamais esquece, não
pode reconhecer...”
Militares
que eram os senhores da
situação, determinavam os que deveriam ser cassados e caçados. Presentemente, os sobreviventes ao tempo, são pálidos reflexos do que
foram um dia. Doentes, alquebrados, remoídos por suas lembranças ou se escusam
a falar sobre a revolução ou, como aconteceu recentemente, abrem-se em relatos
pavorosos, não se sabe se buscam diminuir seus fantasmas, elucidar mistérios ou
mesmo esclarecer o quanto desumano pode ser o poder absoluto.
E
os mortos? Os dois lados concordam na justificativa de suas perdas. Cada um de
per si afirma, sem qualquer drama de consciência que foram heróis mortos em
combate na defesa da melhor ideologia para o País. A violência foi inominável.
É impossível contabilizar o número de mortos. Alguns fatos, todavia, não podem
ser negado. Os assassinatos, os erros, o reconhecimento da ditadura como tragédia, a indignação, os efeitos que eclodiram
e perduraram sob a sociedade brasileira, são manifestações inegáveis de
consciência social.
Sem
perder de vista a conotação que os adversários se atribuíam pergunta-se: como
estão os heróis da revolução?
Os
militares e simpatizantes perderam o posto heroico, tornaram-se vilões, alguns tiveram
seus nomes apagados de placas que lhes homenageavam, submetem-se, atualmente, ao comando dos que perseguiam,
torturavam. Os
militantes deram a volta por cima, ocupam altos postos. A Presidência
da Republica, como é fato público e notório, é exercida por uma ex-militante,
ex-guerrilheira. Cultua-se, ou cultuava-se o mito do guerrilheiro heroico.
Bom,
a historia nos revelou traições entre os guerreiros do Socialismo e/ou Comunismo. As delações dos guerrilheiros do Araguaia têm nome, e o traidor se
arroga a condição de grande companheiro, sustentando o direito de continuar vivendo
da glória do enfrentamento por ter sido opositor na Revolução Militar de 1964.
Muitos
nomes rolaram na lama, por crimes de corrupção, formação de quadrilha, lavagem
de dinheiro, peculato. O Brasil que está há quase doze anos sob o governo do Partido
dos Trabalhadores constata que o discurso em pró das minorias e a ética anunciada
reiteradamente, cedeu lugar ao cinismo, a improbidade, a absorção das práticas
que repudiavam e, principalmente, ao crime de lesa-pátria, considerando-se que os cofres públicos foram sistematicamente espoliados e jogados num lamaçal sem precedentes. Instituições
e cargos nunca dantes emporcalhados em tão grande escala foram arrastados com seus ocupantes numa teia pegajosa reforçada por propinas.
Alguns
insistem, ainda, numa imagem de compromisso social e, contraditoriamente estão
presos ou livraram-se de condenações em face do “pulo do gato”, patrocinado
pelas melhores Bancas Advocatícias da nação. É, os militares não são mais os
mesmos, perderam o comando e a força. Os ex-militantes também não guardam as
boas características da juventude, perderam o brilho. Acreditam estar acima do
bem e do mal. Defendem a corrupção, se agarram a postos, posições sociais, vantagens
econômicas e financeiras como se estivessem resgatando algo que por direito
lhes pertence.
Do passado não se pode apagar sequer a queda de uma folha. Conviver com a História de um País tem que ser bem mais do que andar com um retrovisor em busca de culpados. As lições que podem resultar de erros reiterados devem levar a sociedade a repensar suas escolhas e, os dirigentes à compreensão de que exercer a cidadania é também opor-se, ao Estado, as autoridades, as ideologias e doutrinas. Por amor a Justiça questiono: Os Militares que hoje são, de alguma forma, afetados pela determinação de prestar contas a Comissão da verdade, do porquê de espaços do Exército terem sido usados para atividades de repressão, estão obrigados a fazê-los?
Pobre Brasil. Pobres criaturas, militantes e familiares, militares e familiares imoladas nos altares de suas crenças de Justiça Social, a esses, que deram suas vidas, sacrificaram seus sonhos e seu amores por uma Pátria melhor, mais justa e mais igualitária, A MINHA HOMENAGEM.
Pobre Brasil. Pobres criaturas, militantes e familiares, militares e familiares imoladas nos altares de suas crenças de Justiça Social, a esses, que deram suas vidas, sacrificaram seus sonhos e seu amores por uma Pátria melhor, mais justa e mais igualitária, A MINHA HOMENAGEM.
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