Quem sou eu? O que faço

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João Pessoa, Paraíba, Brazil
Quem sou? O que faço. Sou Maria de Lourdes, tenho, agora, 62 anos, esposa, mãe e avó, formação jurídica, com pós graduação em Direitos Humanos e Direito Processual Civil, além de um curso não concluído de Filosofia. Conheci os clássicos muito cedo, pois não tinha permissão para brincar na rua. Nosso universo – meu e de meus irmãos – era invadido, diariamente, por mestres da literatura universal, por nossos grandes autores, por contistas da literatura infanto-juvenil, revistas de informação como Seleções e/ou os populares gibis. Todos válidos para alimentar nossa sede de conhecimento. Gosto de conversar, ler, trabalhar, ouvir música, dançar. Adoro rir, ter amigos e amar. No trabalho me realizo à medida que consigo estabelecer a verdade, desconstruir a mentira, fazer valer direitos quando a injustiça parece ser a regra. Tenho a pretensão de informar, conversar, brincar com as palavras e os fatos que possam ser descritos ou comentados sob uma visão diferente. Venham comigo, embarquem nessa viagem que promete ser, a um só tempo, séria e divertida; suave e densa; clássica e atual. Somente me acompanhando você poderá exercer seu direito à críticas. Conto com sua atenção.

terça-feira, 1 de abril de 2014

31 de Março de 1964

UM DIA DE MUITAS FACES!





Uma tarde como outra qualquer.  Um filme exibido numa sessão chamada “Cinema de Arte”. Na tela, Audrey Hepburn dá vida a jovem Gabrielle Van der Mal, filha de um famoso cirurgião, que resolve jogar tudo para o alto em busca de seus sonhos: torna-se  freira, faz votos de obediência, pobreza e castidade, dedica-se a seus estudos de Medicina e  espera ser enviada a África. Após anos trabalhando em enfermarias é mandada para o Congo e ali conhece um médico ateu, cínico e brilhante profissional interpretado por Peter Finch. 


Daí fatos que justificam o título e as interpretações dos protagonistas tornam o filme, realmente, uma obra de arte. Aos doze anos, acompanhava minha mãe, amante da sétima arte, e fomos surpreendidas na saída do cinema. Eram 18h e 30min,  o rebuliço, o corre-corre e a aflição das pessoas mostravam que havia algo assustador: ocorrera um golpe de Estado, o Presidente fora deposto.  Enquanto nos comovíamos com a ilusão, a vida escrevia uma história bem mais emocionante.


O País continuou em polvorosa. Entre os dias  31 de Março e 1º de Abril de 1964, abateu-se sobre nós, como se fosse uma lâmina afiada, o  estranho golpe de Estado que declarou vaga a cadeira Presidencial, pelo Exercito Brasileiro e não pelo Poder Legislativo, conforme previa a Constituição. O pronunciamento desencadeou uma sucessão de fatos que se estenderiam por 21 anos, ecoando na sociedade e na memória do povo brasileiro. Instalara-se uma revolução que se propunha a devolver aos nacionais o Estado Brasileiro, bem como a legalidade e, abortar, no seu nascedouro, a concretização do poder nas mãos de comunistas. 


Ideologias à parte, os acontecimentos ocorridos há 50 anos e que por razões diversas fizeram de João Goulart protagonista, no olho do furacão, impuseram à nação perseguições, intolerância, barbárie,  medo, ódio, traumas, torturas, desaparecimentos, mutilações e mortes.


O horror, digno de caprichosa ficção, não privilegiou vítimas. Assim como para a inquisição, ao novo Estado brasileiro tudo era motivo para imposição de pesados fardos. Os Militares em consenso com Empresários, autores do golpe, apoderaram-se da História e tentaram escrevê-la ao sabor de sua ordem, suas crenças. Chegaram, assumiram o Poder, estabeleceram um regime de exceção e jugo onde validaram suas práticas e não aceitavam insurreição. O Presidente foi transformado num inimigo da nação e pseudo mentor de um golpe de esquerda que transformaria o Brasil numa nova Cuba.


A história da revolução, com seus aspectos tristes, suas manobras e seus Generais já foi contada e recontada milhares de vezes. Igualmente o foi a saga dos que estavam do outro lado, os resistentes que integravam a Vanguarda Popular Revolucionária – VPR; o Comando Geral dos Trabalhadores – CGT; a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria- CNTI; a UNE - União Nacional dos Estudantes,  além de outros jovens, estudantes ou não, em milhares de Centros Estudantis e Operários, espalhados no Brasil a fora; intelectuais, jornalistas, artistas, políticos, economistas, professores, religiosos, donas de casa,  gente de todos os confins, todos os credos e todas as raças.


Rompida a Lei pela conspiração, subvertido o povo brasileiro pela estupidez da tortura, dos assassinatos, da luta fratricida onde a delação funcionava como moeda de troca, aquilo que se dissera e se apresentara como passageiro tornou-se permanente, naufragando, cometendo erros crassos como combater o terrorismo implantando um “terrorismo de direita”; buscar a erradicação da resistência pela mordaça, pelo sepultamento em vida através da clandestinidade. A revolução foi, aos poucos, anarquizada, moralmente falida e incapaz de se sustentar num discurso corroído de defesa das instituições nacionais.


Mas como em todos os fatos Políticos as baixas ocorreram para todos os contendedores. A guerrilha urbana, os combates no Araguaia, as ações nos “aparelhos”, também produziam órfãos, viúvas, segregação das famílias, enganos, seqüestros, torturas e mortes. 


A minha memória registra o terror das famílias por seus filhos, isso em relação aos militares e também à militância. Patrulhas ideológicas existiam em ambos os lados e as intervenções na vida íntima desconheciam barreiras. Para os militantes não havia família – ela desvirtuava a luta e desviava o “companheiro” de suas convicções. Também não se podia falar em envolvimentos amorosos, tão combatidos quanto os laços familiares, esses poderiam oportunizar mudança de rota e entrega de companheiros.  Apenas os líderes puderam reconhecer seus amores e mesmo assim em momentos que se mostravam interessantes á causa. 


Cinquenta anos não passam sem deixar marcas. Mortos continuam sem identidades. Desaparecidos são, pouco a pouco identificados em extremadas confissões recheadas de cenas macabras muito além da ficção.   Vivos, modificaram-se de tal forma que no melhor estilo “Chico Buarque” se pode pensar e dizer: ...Quem te viu, quem te vê. Quem não a conhece não pode mais ver pra crer. Quem jamais esquece, não pode reconhecer...”


Militares que  eram os senhores da situação, determinavam os que deveriam ser cassados e caçados. Presentemente, os sobreviventes ao tempo, são pálidos reflexos do que foram um dia. Doentes, alquebrados, remoídos por suas lembranças ou se escusam a falar sobre a revolução ou, como aconteceu recentemente, abrem-se em relatos pavorosos, não se sabe se buscam diminuir seus fantasmas, elucidar mistérios ou mesmo esclarecer o quanto desumano pode ser o poder absoluto.


E os mortos? Os dois lados concordam na justificativa de suas perdas. Cada um de per si afirma, sem qualquer drama de consciência que foram heróis mortos em combate na defesa da melhor ideologia para o País. A violência foi inominável. É impossível contabilizar o número de mortos. Alguns fatos, todavia, não podem ser negado. Os assassinatos, os erros, o reconhecimento da ditadura como  tragédia, a indignação, os efeitos que eclodiram e perduraram sob a sociedade brasileira, são manifestações inegáveis de consciência social.

Sem perder de vista a conotação que os adversários se atribuíam pergunta-se: como estão os heróis da revolução? 


Os militares e simpatizantes perderam o posto heroico, tornaram-se vilões, alguns tiveram seus nomes apagados de placas que lhes homenageavam,  submetem-se,  atualmente, ao comando dos que perseguiam, torturavam. Os militantes deram a volta por cima, ocupam altos postos. A Presidência da Republica, como é fato público e notório, é exercida por uma ex-militante, ex-guerrilheira. Cultua-se,  ou cultuava-se  o mito do guerrilheiro heroico.


Bom, a historia nos revelou traições entre os guerreiros do Socialismo e/ou Comunismo. As delações dos guerrilheiros do Araguaia têm nome, e o traidor se arroga a condição de grande companheiro, sustentando o direito de continuar vivendo da glória do enfrentamento por ter sido opositor na Revolução Militar de 1964. 


Muitos nomes rolaram na lama, por crimes de corrupção, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, peculato. O Brasil que está há quase doze anos sob o governo do Partido dos Trabalhadores constata que o discurso em pró das minorias e a ética anunciada reiteradamente, cedeu lugar ao cinismo, a improbidade, a absorção das práticas que repudiavam e, principalmente, ao crime de lesa-pátria, considerando-se que  os cofres públicos foram sistematicamente espoliados e jogados num lamaçal sem precedentes. Instituições e cargos nunca dantes emporcalhados em tão grande escala foram arrastados com seus ocupantes numa teia pegajosa reforçada por propinas.


Alguns insistem, ainda, numa imagem de compromisso social e, contraditoriamente estão presos ou livraram-se de condenações em face do “pulo do gato”, patrocinado pelas melhores Bancas Advocatícias da nação. É, os militares não são mais os mesmos, perderam o comando e a força. Os ex-militantes também não guardam as boas características da juventude, perderam o brilho. Acreditam estar acima do bem e do mal. Defendem a corrupção, se agarram a postos, posições sociais, vantagens econômicas e financeiras como se estivessem resgatando algo que por direito lhes pertence. 



Do passado não se pode apagar sequer a queda de uma folha. Conviver com a História de um País tem que ser bem mais do que andar com um retrovisor em busca de culpados. As lições que podem resultar de erros reiterados devem levar a sociedade a repensar suas escolhas e, os dirigentes à compreensão de que exercer a cidadania é também opor-se, ao Estado, as autoridades, as ideologias e doutrinas.   Por amor a Justiça questiono: Os Militares que hoje são, de alguma forma, afetados pela determinação de prestar contas a Comissão da verdade, do porquê de espaços do Exército terem sido usados para atividades de repressão, estão obrigados a fazê-los?

Pobre Brasil. Pobres criaturas, militantes e familiares, militares e familiares imoladas nos altares de suas crenças de Justiça Social, a esses,  que deram suas vidas, sacrificaram seus sonhos e seu amores por uma Pátria melhor, mais justa e mais igualitária,  A MINHA HOMENAGEM.

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