Tempo, tempo, tempo.
Existe tempo para tudo. Tempo para amar, para
sorrir, chorar, trabalhar, brincar, conversar semear e colher. Há uma tendência
natural de se achar que a colheita é sempre proporcional à semeadura. Ah, quem
dera. Seria perfeito, mas pobres tolos,
nós, humanos, precisamos ter consciência de nossas imperfeições, nossa
fragilidade e finitude.
Não falo assim com desânimo ou mágoa, pelo
contrário, apenas faço memória do que tenho observado ao longo de minha
existência, ora feliz, ora inquieta, ora saudosa, mas sempre olhando adiante,
repesando atitudes e formas de encarar os acontecimentos, aproveitar as
oportunidades e enfrentar novos desafios.
Tem sido assim. Graças a Deus não me furto às
novidades. Às vezes a minha curiosidade me trás de volta uma criança a um só
tempo atirada e tímida, desafiadora e conservadora que punha nas figuras dos
pais toda a crença que a idade lhe permitia. Sim, porque no passado nos acreditávamos em nossos ídolos
particulares. O herói, a heroína eram os pais, os tios, os amigos próximos de
nossas casas que com suas vidas suscitavam em nos a vontade de seguir os mesmos
passos.
A mãe, amorosa, amiga e advogada que se colocava
entre os filhos e o pai, defendendo com equilíbrio e amor as aspirações de uns
e os cuidados do outro. A mãe cujas preocupações sempre transcenderam o que se
estabeleceu por atenções maternas. Que jamais mostrou cansaço embora nos
limites de suas forças, que nunca disse não se havia uma só chance de dizer
sim. Frágil na compleição, gigante na atuação.
E a figura paterna? Aparentemente séria, dura.
Bobagens. Derretia-se com os filhos, proporcionando-nos amor, carinho,
segurança e certeza de que jamais estaríamos sós, tal a confiança que nos
inspirava. Às filhas, somos três, incutiu a ideia de que o melhor marido seria
a capacitação profissional que nos daria a condição de gestora de nossas vidas.
Meu Pai, uma pessoa simples com uma brilhante visão. Acertou em cheio e nos
ensinou a pescar. Não era Baiano, era Paraibano de Sapé, nos deu régua e
compasso para traçarmos o nosso caminho pela vida. Obrigada meu Pai!
Era assim o meu, o nosso mundo provinciano e
puro. Entre nós pessoas se sobressaíam,
no vizinho o ideário do jovem político que encantava multidões com seus
discursos e figura carismática, sempre sorrindo, sempre muito bem vestido,
sempre cercado de admiradores. Sobressaindo e levando consigo o nome do
Município numa carreira brilhante como Legislador Estadual.
E o que
dizer daquela jovem professora, bonita, dona de uma linda voz e a quem as
mulheres da família atribuíam lindos seios e que, além de tudo, era educada,
amável e querida por todos. Um sonho estético para muitas.
Havia, ainda, aquela figura carismática,
partidário de política contrária – inteligente, sagaz e sempre com uma saída à
mão. Enlouquecia os seus adversários e conquistava facilmente incautas
dispostas a se deixarem entorpecer. Matreiro seduzia multidões e traçava uma
batalha imaginária entre o “tostão e o milhão”. Impossível não admirá-lo
Não
faltavam as damas. Uma delas, maravilhosa, cantora lírica, dona de uma oratória
de fazer inveja aos muitos pseudos políticos de nossos dias. Uma inteligência
rara, capaz de se sobressair num mundo eminentemente masculino, em escolhas
quase que tabus. À sua condição de
mulher potencializada num mundo de há pelos menos cinquenta anos, sendo a um só
tempo negra, separada do marido, professora num Estado pobre, preconceituoso e,
mesmo assim venceu por seus próprios méritos. Com certeza construiu ao seu
redor uma legião de simpatizantes entre os quais me incluo.
E a beleza, também construía e sempre construirá
seus castelos. É claro, principalmente quando vista por pessoas novas, numa
situação inversa a de hoje quanto à liberdade e aos costumes. Nosso universo
era infinitamente menor. Não existiam Shoppings Centers, computadores, pelo menos os domésticos. Igualmente, as restrições eram bem maiores, as amizades eram monitoradas e os
olhares eram percebidos rapidamente pelos guardiões da moral e dos bons
costumes. Muitos deles atentos, azedos, autoritários e solitários.
As roupas, quando muito, insinuavam. Sugeriam
formas e atiçavam a imaginação, multiplicando as possibilidades do que
efetivamente ficava fora do olhar das pessoas. Pois é, eram muitas as criaturas
que provocavam suspiros. Rapazes e moças. Lembro bem. Algumas famílias se
sobressaíam, as moças eram belas, com pele impecável, bem feitas e cheias de
vida.
Nada de maquiagem excessiva, cabelos cheios de
tinta e transformados em palha pelas escovas definitivas e uso constante de
chapinhas. Não era uma ou duas famílias, a minha cidade era cheia de gente
bonita. Uma das moças era sósia de Raquel Welch, suas irmãs eram bonitas e seus
irmãos... uns pedaços de maus caminhos. A beleza tinha outra dimensão e
apresentação.
Os rapazes se apresentavam com outra roupagem.
Uns impecáveis, cabelos arrumados, cheirosos e sonsos. Sempre educados e
aparentemente comedidos. Tudo era uma festa para os olhos. Um batom mais
escuro, uma roupa mais marcada, um joelho que aparecia ao sentar, um sorriso e a mágica atenção conseguida com
o riso num tom mediano a cujos olhares voltavam os jovens, interessados na dona
daquele som. Sempre fui “expert” em sorrir, rir, conversar e trazer para mim a
atenção que não conseguia pela beleza física. Jamais fiquei sozinha num canto
de parede, sempre cultivei amigos e admiradores.
Nas festas, dançava a noite toda. Brincava,
sorria, ria e conversava. Sempre fui assim. Exceto quando com namorado ciumento
e que despertava em mim a sensação de estar perdendo algo maravilhoso, o convívio
saudável com amigos e amigas. Mas cultivei um triste hábito de namorar por anos.
Meus namoros, não sei porque sempre, duravam.
Casei. Não uma, mas duas vezes. Por vinte e
cinco anos vivenciei a condição de divorciada. Como sempre busquei enfrentar os
reveses com bom humor, as dificuldades com trabalho, as tristezas com esperança
de dias melhores, a solidão com o amor de meus filhos amados, suas histórias
pessoais e, claro, namorando quando podia, afinal ninguém é de ferro.
OS FILHOS, POSSIVELMENTE O MELHOR DE MIM. São
dois que se transformaram em seis. É uma matemática simples, adição de parcelas
de amor e um total cheio de alegria e graça. A história começou com MEU FILHO QUE ME TROUXE SUA MULHER E DUAS FILHAS, ou seja, ganhei mais três filhas. A MINHA FILHA CAÇULA, FILHA ÚNICA, ME TROUXE MEU GENRO MARAVILHOSO, resultado: mais um filho.
Agora torço para ser mãe mais uma vez através de minha filha, quando eles
decidirem, claro. Sou feliz, nasci nua, estou vestida; chorando, estou
sorrindo; sozinha, hoje me vejo cercada de amor e carinho.
Se colhi o que plantei não posso afirmar. Sempre
acho que recebo mais do que mereço. PASMEM VOCÊS, RECEBI, EM PLENA MATURIDADE
UM PRESENTE PARA ACALENTAR A MINHA INTIMIDADE, MEU VIVER COMO
MULHER. MEU MARIDO. Pois é, há tempo para tudo nesta vida. O negócio é viver e
não ter a vergonha de se feliz...
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