UM
HOMEM À FRENTE DE SEU TEMPO
Com a ousadia dos que admiram, resolvi falar sobre Umberto Eco. Assim, sem maiores cerimônias, sem maiores pretensões, a não ser lembrar como tomei conhecimento de sua existência no mundo das letras; o porquê de minha admiração; as contradições que suscitaram em mim o contato com alguns de seus títulos e, mais especificamente, sua obra prima:" Il nome della rosa".*Imagem: torino.reppublica.it.
Em
meados de 1995 me candidatei a uma das vagas ofertadas pela UFPB - Universidade
Federal da Paraíba, através do CCHLA – Centro de Ciências Humanas, Letras e
Artes- Departamento de Filosofia, para o Curso de Especialização Em Direitos
Humanos, obtendo sucesso na empreitada, garantindo minha participação.* Imagem: apostilasopacoeconcursos.com.br
Nesse contexto abriu-se um universo de oportunidades, trazendo um leque surpreendente de conhecimentos e quebra de paradigmas. Não me considerava uma neófita. No ano de 1977 me graduara, na mesma instituição, em Ciências Jurídicas e Sociais, tornando-me Bacharela em Direito. O curso em si, amei-o desde o primeiro contato. Me identifiquei com a Profissão que abraçava como meta de vida e, assim como a Bahia deu a GIL régua e compasso, bons professores me municiaram com o indispensável para iniciar bem, o meu caminho pelo mundo jurídico.* Imagem: radios.ebc.com.br.
Decidida,
militante e multiplicadora do Direito, já travara conhecimento com aquela
semente plantada pela Revolução Francesa e me apaixonara pela defesa dos
Direitos Humanos. Ter sucesso na minha pretensão, teve um gostinho
diferente. Retornar à Academia era algo fantástico. Adulta e com uma visão
própria, fruto de embates diários na defesa de Direitos de terceiros, fazia
conjecturas sobre o que iria experimentar naquele universo maciçamente de jovens. *Imagem: atrevidauol.com.br.
Muitos
autores passaram pela bibliografia oficial e extraoficial do Curso. Lógico que,
após tantos anos, seria pedir demais lembrá-los. Entretanto alguns ficaram
comigo para o resto de meus dias. Lembro da impressão causada por Norberto
Bobbio e A ERA DOS DIREITOS; Gilberto Dimenstein e A DEMOCRACIA EM PEDAÇOS;
Hanah Arendt e A CONDIÇÃO HUMANA; Nietzsche e sua obra PARA ALÉM DO BEM E DO
MAL e, de
maneira especial, Umberto Eco. A princípio de modo conflitante, angustiante, com
o best seller O NOME DA ROSA, traduzido por Maria Celeste Pinto e, ainda, de
forma surpreendente, pela simplicidade e praticidade de um Manual destinado a
alunos que buscam a técnica, para
elaboração de trabalhos acadêmicos: COMO SE FAZ UMA TESE (Todos os títulos em caixa alta para realce). Mais uma surpresa.
Umberto
Eco, foi um homem à frente de seu tempo. Não demonstrava preocupações com a
opinião daqueles a quem não emprestava uma certa deferência. Em algumas obras acusou
a Igreja Católica, notadamente, de não permitir aos teólogos uma reflexão livre
sobre os textos colocados à disposição e, bem assim, no que concernia à
produção literária. Sua crítica, aos textos de São Tomás de Aquino, versa sobre
a ausência da referida reflexão. * Imagem: www.pinterest.com.
Um romance, “O nome da rosa”, foi sua obra prima. A leitura desse livro me trouxe
encantamento e graves questionamentos de ordem ética, religiosa e moral. O
romance, devorado durante o curso, faz um encontro fascinante de assuntos que
agradam sobremaneira. Nele temos a Igreja Católica cercada de dogmas, mistérios
e proibições, além de conflitos éticos, morais e religiosos, tendo por cenário o
ambiente medieval europeu. *Imagem: www.fnac.pt .
Maravilhada
na mesma proporção que horrorizada, com o entranhado tema ofertado no livro, não
sabia se o fechava, jogava para bem longe de meu olhos ou se parava tudo e
sorvia de uma só vez, o que ali se apresentava. Sei, apenas, que na medida em
que avançava a leitura, crescia dentro de mim uma sensação de estranheza,
desconhecimento. Por mais que eu justificasse a impossibilidade de trazer para
os anos noventa a Igreja medieval e, levar para o lado romanesco, me repugnava os
quadros que minha mente teimava em produzir.* Imagem:www.flickr.com .
Nesse
incompreensível debate, entre a histórica igreja por mim conhecida e, a sugerida na
obra de Umberto Eco, a católica fiel se chocava com a leitora que se mostrava
ávida pela próxima página. A literatura e o conhecimento passado pelos livros
de autores católicos, especialmente Santo Agostinho, entraram em ferrenha disputa com a tese abordada pelo autor. Também, o meu pouco conhecimento sobre Filosofia não tinha o condão de criar frestas em minha Fé, de pronto estranhei a negativa referência à Filosofia Pagã, especialmente a Aristóteles registrada no livro e mostrada sem rodeios no filme. * Imagem: es.slideshare.com.br.
Nessa
versão do que pode ter acontecido, as luzes que iluminavam o personagem do
investigador humanista se estendem sobre o leitor transformado em espectador. É
impossível ler “O nome da rosa” e não refletir sobre as proibições ao
conhecimento; a descrição das relações dos religiosos entre si e, daqueles com
a comunidade circunvizinha, resultantes, talvez, da clausura; a pseudo
necessidade de se fazer justiça, atribuir culpas, mesmo sem haver delitos ou
forjando-os; na ingenuidade de uns e a maldade de outros; na crueldade, no
erotismo, na heresia. *Imagem: armonte.wordpress.com.
Passados
alguns anos pude potencializar meu horror, meu fascínio, minha admiração pela
impecável materialização do romance tantas vezes lido. A sétima arte nos trouxe
“O nome da Rosa”, com impecável interpretação de Sean Connery na pele do frade
franciscano Guilherme de Baskerville, misto de investigador, iluminista, representando
o intelecto renascentista. A atitude humanista e racional do Frade, colide com a conjuntura filosófico-teológico das lutas que
ocorrem no convento em que se desenvolvem as ações. * Imagem: www.luizberto.com .
A filmagem, na Alemanha, nos oferta " um mosteiro" com uma magnífica construção, datada de 1136, com realce para sua biblioteca fantástica cujo caminho era um
labirinto e, o prêmio para os que conseguiam percorrê-lo, a morte. O filme, mostra com riquezas de detalhes que na abadia o
conhecimento era destinado, com exclusividade, aos escolhidos. A ignorância revelava-se um meio de
dominação, violência e perversões. *Imagem:lainhacarlos.blogspot.com
Umberto Eco seguiu adiante sem medo
de cobranças. Continuou sua trajetória de autor, filósofo, semiólogo, linguista e bibliófilo
encantando e intrigando pessoas em todo o mundo. Colecionou o sucesso sem
demonstrar apego a tal. Fiel às suas convicções e não menos
surpreendente, definiu o Papa Francisco como “o papa da globalização” e opinou
que representa “algo absolutamente novo na história da Igreja Católica e,
talvez, na história do mundo”. *Imagem:elpais.com.br
O
dom de arrancar os leitores de áreas de conforto, a capacidade de instigar o
pensamento, facetas da genialidade que
marcou Umberto Eco. Certamente o mundo
amanheceu mais pobre no quesito genialidade na sexta feira 19 de fevereiro de
2016. A morte de Umberto Eco, logo após a publicação de mais um livro, deixa uma lacuna difícil de ser preenchida. *Imagem:cinefreak.com.br
Ser transportada a outra versão, daquilo que é secular, não
passou ao largo. Umberto Eco com certeza não precisava, mas arrebatou uma fã.
Obrigada
por lançar contradições, incertezas, razões e luzes num terreno aparentemente
isento de dúvidas, onde a total aceitação mostra a passividade dos que se
conformam em assumir posições alheias, sem indagar-se, sem perturbações. Com esse fantástico autor, a tese, antítese e a síntese, tornam-se exercícios obrigatórios aos leitores e são um atrativo a mais. *Imagem:seguraorojao.wordpresscom.