REMINISCÊNCIAS E ATUALIDADES.
O encanto, o entrosamento do mestre com seus alunos são compartilhados com a platéia quando, John Keating – Robin Williams, fala sobre a Sociedade dos Poetas Mortos. Coletividade na qual para se ter acesso, teria o candidato que ser um leitor freqüente, produzir versos, reunir-se para aprofundamento e deleite dos seus membros. O contraditório estava no fato do mestre, ex-aluno da escola, recusar-se a dar continuidade aos métodos ali utilizados; criar a sua própria metodologia, estimular sentimentos cunhar emoções, abandonar conceitos e preconceitos dominantes na sociedade.
HABEAS PINHO -
Essa é a famosa petição:
Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca:
O instrumento do crime que se arrola
Neste processo de contravenção
Não é faca, revólver nem pistola,
É simplesmente, doutor, um violão.
Um violão, doutor, que na verdade,
Não matou nem feriu um cidadão,
Feriu, sim, a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.
O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade,
Ao crime ele nunca se mistura,
Inexiste entre eles afinidade.
O violão é próprio dos cantores,
Dos menestréis de alma enternecida
Que cantam as mágoas e que povoam a vida
Sufocando suas próprias dores.
O violão é música e é canção,
É sentimento de vida e alegria,
É pureza e néctar que extasia,
É adorno espiritual do coração.
Seu viver, como o nosso, é transitório,
Porém seu destino se perpetua,
Ele nasceu para cantar na rua
E não para ser arquivo de Cartório.
Mande soltá-lo pelo Amor da noite,
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno açoite
De suas cordas leves e sonoras.
Libere o violão, Dr. Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito,
É crime, porventura, o infeliz
cantar as mágoas que lhe enchem o peito?
Será crime, e, afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
perambular na rua um desgraçado
derramando ali as suas dores?
É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento,
Juntando esta petição aos autos nós pedimos
e pedimos também DEFERIMENTO.
Autor: Ronaldo Cunha Lima, advogado.
O julgador, Dr. Arthur Moura, poeta e admirador dessa maravilhosa arte, apoderando-se, também, da rima, sentenciou sem afastar-se do tom:
"Para que eu não carregue remorso no coração,
Determino que seja entregue ao seu dono,
Desde logo, O malfadado violão! “
Recebo a Petição escritaem verso
E , despachando-a sem autuação,
Verbero o ato vil, rude e perverso,
Que prende, no cartório, um violão.
Emudecer a prima e o bordão,
Nos confins de um arquivo em sombra imerso
É desumana e vil destruição
De tudo, que há de belo no universo.
Que seja Sol, ainda que a desoras,
E volte à rua, em vida transviada
Num esbanjar de lágrimas sonoras.
Se grato for, acaso ao que lhe fiz,
Noite de lua, plena madrugada,
Venha tocar à porta do Juiz.
TERCETOS -
Extraídos de: Lima, Ronaldo Cunha. BREVES E LEVES; tercetos e outros poemas. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2004. 287 p.
O MAR
MODORRA
ALHEAMENTO
POUCO A POUCO
ESPELHO
Quem nos idos de 1990 deixou de se emocionar com a riqueza e profundidade de algumas célebres produções de Hollywood? Entre outros, assisti, naquela década, ao filme que considero um dos melhores que já vi. Trata-se do fantástico “Sociedade dos Poetas Mortos”, produzido no ano de 1989, que teve a direção de Peter Weir nascido em Sydney, Australia, com magistral interpretação de Robin Williams e, ainda, Ethan Hawke. O filme se passa nos anos 50, trazendo um ex-aluno, que se tornara Professor de Literatura na Welton Academy, uma escola secundária e tradicional.
O Mestre, cuja visão de ensino repudia o método ortodoxo até então empregado pela instituição, mostra-se, desde o início, avesso à rigidez de uma educação meramente destinada a repetição do que era ensinado. Nesse contexto o aluno era moldado segundo o seu educador. Não havia ambiente para o lúdico. Amoldar-se ou não a tradição era a diferença entre “ajustado e desajustado”.
O jovem professor, que confidencia aos alunos o seu desejo de ser chamado “Oh! Captain! My Captain” lança um novo olhar sobre a vida e a educação, motivando-os a refletir sobre o que lhes era repassado. O filme evoca a emoção, os sentimentos verdadeiros que emergem dos textos e dos autores, provocando o alunado com a finalidade de torná-los, verdadeiramente, aprendizes na arte de viver.
Os alunos, adolescentes, cheios de vida e curiosidade, encontram naquela visão diferenciada a ruptura com um sistema acadêmico retrógrado, autoritário que complementava a visão familiar dominante na sociedade. A simbiose da escola com o núcleo familiar podava os jovens, impedindo-os de florescerem diferentemente de seus pais. O mesmismo condenava-os a reproduzirem entendimentos, comportamentos e situações pré-estabelecidas.
Um marco, um divisor de águas, a Sociedade dos Poetas Mortos, retrata, também, um professor diferente, compromissado consigo e, com seus ideais. Um desbravador que se coloca lado a lado com os seus pupilos. Que emociona e se emociona a cada revelação obtida a partir das sugestões oferecidas e dos caminhos escolhidos. Há para o espectador a sensação de que o mestre vai construindo o seu saber juntamente com os alunos, a troca de conhecimentos, de experiências, é palpável.
O encanto, o entrosamento do mestre com seus alunos são compartilhados com a platéia quando, John Keating – Robin Williams, fala sobre a Sociedade dos Poetas Mortos. Coletividade na qual para se ter acesso, teria o candidato que ser um leitor freqüente, produzir versos, reunir-se para aprofundamento e deleite dos seus membros. O contraditório estava no fato do mestre, ex-aluno da escola, recusar-se a dar continuidade aos métodos ali utilizados; criar a sua própria metodologia, estimular sentimentos cunhar emoções, abandonar conceitos e preconceitos dominantes na sociedade.
Surpreendente no seu desenrolar, o filme dá aos alunos a sensação de que devem viver o dia de hoje como se fosse o último de suas vidas, com emoção. - “Carp Diem” propõe o Mestre. O mestre sugere a quebra de protótipos educacionais, John Keating, propõe outra conjuntura e mudanças de conceitos sobre o universo; tece um paralelo entre a vida efetivamente vivida e a ideal, aquela que todos deveriam viver. Acende no emocional, de cada um, concepções diferenciadas, sentimentos novos, idéias novas.
O traço da tragédia fica por conta da morte do personagem Neil Perry, que sai de cena exatamente quando a vida lhe oferece probabilidade de proveito a cada momento, cultivando afinidade direta com a frase já referida: Carpe Diem (aproveite o dia).
Ela é imolada em suicídio sob o pretexto mais fortemente narrado no filme, à brutalidade versus a vontade individual, essa, acrescida às injunções profissionalizantes, educacionais, capitalistas, que caracterizavam, já naquela época, a sociedade global mundial.
O traço da tragédia fica por conta da morte do personagem Neil Perry, que sai de cena exatamente quando a vida lhe oferece probabilidade de proveito a cada momento, cultivando afinidade direta com a frase já referida: Carpe Diem (aproveite o dia).
Ela é imolada em suicídio sob o pretexto mais fortemente narrado no filme, à brutalidade versus a vontade individual, essa, acrescida às injunções profissionalizantes, educacionais, capitalistas, que caracterizavam, já naquela época, a sociedade global mundial.
Durante todo o espetáculo, é mostrado o valor das emoções humanas que se sobrepõem aos limites impostos pela sociedade, o valor atribuído a cada um é em razão de sua essência e não em aceitação a regras cegas, é o rompimento com o estático para que ocorra a renovação.
Todavia, a manifesta transgressão de princípios, desvendada como sendo a linha mestra da história, entra em rota de colisão com a própria constituição da Sociedade dos Poetas Mortos, pela obrigação da leitura, da produção intelectual, da discussão com data e horário previamente definidos, numa sociedade cultuadora do intelecto, portanto e coerentemente, de livre acesso e permanência, sem metas a atingir.
A Sociedade ressalta criações de poetas famosos bem como dos participante/personagens, que se tornam inovadores e incitadores de atuações e pensamentos. Discutindo e analisando famosos, a Sociedade avalia o poeta Norte-americano Walt Whitman, precursor do verso livre naquela nação, utilizando para si a fala do poeta que chamava o “captain” referindo-se a Abraham Lincoln. Ainda, entre os grandes são citados no filme Shelley e Shakespeare.
A beleza do filme apenas é superada pelo extraordinário trabalho de Robin Williams que transforma um professor atemporal, atípico e contraditório numa figura humana incomparável, capaz de arrancar de dentro de nós momentos mágicos de emoção e prazer. Seu rosto, seus gestos e expressões levam o espectador a mergulhar naquele universo, a se transformar num adolescente, rompendo barreiras, reconciliando-se com suas aspirações e naturais sentimentos de rebeldia.
O ator, de inigualável atuações, nos conduz a um mundo novo. Com ele caminhamos floresta adentro, com a sensação do frio rodeando nosso corpo, quase podemos sentir a brisa suave soprando em nossos ouvidos. Os passos sobre folhas secas produzindo estalos e sobressaltos. A companheira inseparável de Keating, a liberdade abrindo suas portas acolhe os caminhantes em clareiras, cavernas e, sob luz tremulante, permite que se desarrolhem os ouvidos da alma, que se colham a verdadeira poesia, bebendo da fonte primeira, a natureza, que envolve poetas e poemas, derramando gotas mágicas de sentimentos.
É tão forte o envolvimento, ator, personagens e espectadores, que nos vemos “presentes” , sofrendo com a pressão exercida pelo genitor do jovem Neil Perry, ao tomar conhecimento da decisão em seguir seus sentimentos, tornar-se um amante das letras, um poeta. A truculência da ameaça de tirá-lo da escola e matriculá-lo no colégio militar, leva-o por fim em sua vida. Nessa hora sentimo-nos impotentes e frustrados pela impossibilidade de mergulhar na história, modificar esse acontecimento que burla a nossa expectativa de que tudo vá mudar.
John Keating nos leva a repensar a nossa técnica pedagógica, o modelo de escola desejado e, especialmente, sobre a formação de cidadãos conscientes, coerentes, integrados, comunicativos, que se apercebam de suas potencialidades e percebam os demais. A proposta é construir criaturas humanas que não sejam permanentemente tolhidas em suas emoções e que possam exercitar suas emoções, seus sentimentos sem culpa, sem medos.
MAS, NÓS TAMBÉM TEMOS A NOSSA SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS.
Nela encontramos beleza, amor, dor, perdão, paixão e afago entre tantos sentimento e emoções que a enriquecem. Poetas eruditos, cantando o amor, a liberdade, a arte, a vida. Poetas que conviveram com a morte como se essa fosse a sua amante, sua companheira. Poetas que não freqüentaram escola, academias ou quaisquer outras instituições. Poetas matutos que usam uma linguagem colorida, afetiva em cordéis ou não. Poetas que sequer sabiam ler mas que distribuíam versos e amor em palavras simples e sábias. Poetas bem vestidos, limpos, lavados. Poetas sujos, trazendo nas vestes e no corpo a areia das noites mal dormidas nas praias. Poetas convencionais, Poetas com permissão poética para serem e dizerem segundo as suas necessidades. Poetas com traços tão diferenciados que seria impossível enumerá-los.
A nossa terra é pródiga em talentos. A poesia nos deu o homem do século: Augusto dos Anjos; a rima de Jomar Souto; a genialidade de Lúcio Lins; a vocação de Ascendino Leite; a poesia matuta mas em nada inferior de Zé da Luz, e tantos outros. Infelizmente, no momento presente podemos dizer que cresceu a nossa Sociedade dos Poetas Mortos. Nós, Paraibanos, vimos partir nosso grande Poeta. Um homem que inquietou-se em busca de respostas, que viveu tão intensamente que se consumiu e foi consumido por sua paixão pela vida.
Ronaldo Cunha Lima, nascido na cidade de Guarabira. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Paraíba, membro das Academias Paraibana e Campinense de Letras, político – Democrata em sua essência, de projeção nacional, ocupante de todos os cargos políticos de seu Estado natal, viveu, em toda a sua extensão a sua veia poética, notabilizando-se ao chegar ao final de conhecido programa de televisão denominado “Sem Limite”, da extinta Rede Manchete, apresentado pelos saudosos J. Silvestre e Luís Armando Queirós, onde respondia sobre a vida e obra de Augusto dos Anjos, o paraibano do século, em verso. Pai de Cássio, Gal e Savigny.
Não quero falar sobre Ronaldo. Não sobre o que se foi. A sua obra como Político, Poeta, Escritor, Homem Público, falará por ele, contará sua história, suas dores, seus amores, seus humores, enfim, dirá a todos nós quem foi o poeta Ronaldo Cunha Lima, permeando a saudade com um legado rico, profundo, pontilhado de fé, emoção e sentimento. Um homem que assumiu o “Carp Diem” e, em homenagem a essa figura singular desfrutemos de:
RONALDO EM VERSO E PROSA - DOSE HOMEOPÁTICA .
Corria o ano de 1955, na cidade de Campina Grande, na Paraíba, onde jovens amigos, boêmios, faziam serenata durante a madrugada do mês de junho, quando foram surpreendidos com a chegada da polícia que apreendeu o violão.
Frustrado, o grupo buscou o trabalho do
Jovem Advogado Ronaldo Cunha Lima, naquela ocasião recém-formado, conhecido e reconhecido, também, como um admirador da seresta. Como bom conhecedor da alma humana, ele buscou o Juiz de Direito competente, intercedendo pela liberação do violão. O Magistrado mostrou-se compreensivo dizendo que o livraria desde que lhe fosse peticionado, em forma de verso. Ronaldo, conforme a exigência judicial requereu em Juízo, em verso, para que fosse liberado o violão. Sua peça tomou a denominação "Habeas-Pinho" ou, para alguns “Hábeas-Corpus para um violão” e adorna escritórios advocatícios, bares de praias, quiosque, barraquinhas no Nordeste.
Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca:
O instrumento do crime que se arrola
Neste processo de contravenção
Não é faca, revólver nem pistola,
É simplesmente, doutor, um violão.
Um violão, doutor, que na verdade,
Não matou nem feriu um cidadão,
Feriu, sim, a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.
O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade,
Ao crime ele nunca se mistura,
Inexiste entre eles afinidade.
O violão é próprio dos cantores,
Dos menestréis de alma enternecida
Que cantam as mágoas e que povoam a vida
Sufocando suas próprias dores.
O violão é música e é canção,
É sentimento de vida e alegria,
É pureza e néctar que extasia,
É adorno espiritual do coração.
Seu viver, como o nosso, é transitório,
Porém seu destino se perpetua,
Ele nasceu para cantar na rua
E não para ser arquivo de Cartório.
Mande soltá-lo pelo Amor da noite,
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno açoite
De suas cordas leves e sonoras.
Libere o violão, Dr. Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito,
É crime, porventura, o infeliz
cantar as mágoas que lhe enchem o peito?
Será crime, e, afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
perambular na rua um desgraçado
derramando ali as suas dores?
É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento,
Juntando esta petição aos autos nós pedimos
e pedimos também DEFERIMENTO.
Autor: Ronaldo Cunha Lima, advogado.
O julgador, Dr. Arthur Moura, poeta e admirador dessa maravilhosa arte, apoderando-se, também, da rima, sentenciou sem afastar-se do tom:
"Para que eu não carregue remorso no coração,
Determino que seja entregue ao seu dono,
Desde logo, O malfadado violão! “
Recebo a Petição escrita
E
Verbero o ato vil, rude e perverso,
Que prende, no cartório, um violão.
Emudecer a prima e o bordão,
Nos confins de um arquivo em sombra imerso
É desumana e vil destruição
De tudo, que há de belo no universo.
Que seja Sol, ainda que a desoras,
E volte à rua, em vida transviada
Num esbanjar de lágrimas sonoras.
Se grato for, acaso ao que lhe fiz,
Noite de lua, plena madrugada,
Venha tocar à porta do Juiz.
TERCETOS -
Extraídos de: Lima, Ronaldo Cunha. BREVES E LEVES; tercetos e outros poemas. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2004. 287 p.
NATUREZA MORTA
A fama do pintor, já não importa.
A natureza não existe morta:
o quadro é que parece não ter vida.
O MAR
O mar corteja a praia e, uma a uma,
as ondas pousam perolas de espuma
sobre seu ventre branco, umedecido.
Aquela carta, fiz bem em escondê-la.
Sinto , as vezes, vontade de retê-la
mas tenho medo de querer rasgá-la.
INDUÇÃO
A dúvida, afinal, esclarecida:
ela jamais se foi da minha vida.
Minha vida, sem ela, e que se foi.
DESPENHADEIRO
Porque eu te amei o quanto pude,
em dimensões de abismo e de altitude
o nosso amor se fez despenhadeiro.
MODORRA
Ancorado na barra de mar morto,
do navio um marujo espia o porto,
como quem se perdeu do horizonte.
AUSÊNCIA
Renasces, recompões e me retornas
paisagens mortas e lembranças mornas
mas tu mesma não vens para vivê-las.
O QUE RESTOU DE NÓS
Além do adeus, da lágrima velada,
do nosso amor se não restou mais nada,
fica, entretanto, o que restou de nós.
ALHEAMENTO
A vida não me alheie no absorto
enquanto eu não me encontre, vivo ou morto,
e, estando vivo, enquanto eu não me esqueça.
SONHOS
Se nas horas dos dias de crescer
eu sonhava com o que queria ser,
hoje sonho em ter sido o que não fui.
TRAVESSIA
Ondas navegadas
marulham, cansadas,
nas encostas do cais.
POUCO A POUCO
Assisto triste, aflito, quase louco
o nosso amor morrendo pouco a pouco
e meu querer sem poder fazer mais nada.
ESPELHO
O espelho e o meu castigo.
Nele eu pareço comigo,
não com o que penso que sou.
O DISCURSO EM DEFESA DA LÍNGUA PORTUGUESA.
SENADO FEDERAL -12 DE NOVEMBRO DE 1998
Necessidade de regulamentação que preserve a língua nacional do avanço dos estrangeirismos, principalmente dos anglicismos, registrados em grande número na última edição do vocabulário ortográfico da língua portuguesa editado pela Academia Brasileira de Letras
"A língua portuguesa, como forma oficial de expressão, constitui patrimônio cultural brasileiro e, por isso, incumbe ao Poder Público e à comunidade o dever de promovê-la e protegê-la, em especial neste momento em que ela vem sofrendo constante e preocupante invasão de palavras e expressões estrangeiras. O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, em sua edição mais recente, acresceu nada mais, nada menos que seis mil novas palavras, em sua maioria de origem inglesa.
O Presidente da Academia Brasileira de Letras, Professor Arnaldo Niskier, em artigo publicado no jornal A Folha de S. Paulo, edição de 15 de janeiro do corrente ano, sob o título "Na ponta da língua inculta e bela", cuja transcrição nos Anais da Casa desde já requeiro, produziu excelente e oportuna defesa da língua Pátria, advertindo-nos do risco da invasão estrangeira e da falta de cuidados que quase todos temos ao falar e escrever a nossa língua.
Rachel de Queiroz, em artigo publicado no jornal Correio Braziliense, de maio último, já advertia para o bilingüismo emergente. É tempo de o Brasil cuidar melhor da língua pátria. Nem socializar os solecismos, nem elitizar os anglicismos. Nem a falsa cultura dos termos importados, nem a linguagem incorreta de erros primários. Este discurso tem o sentido de advertência e objetivo de apelo. Apelo ao Ministro da Educação e ao Ministro da Cultura para que, ouvida a Academia Brasileira de Letras, seja constituída uma comissão para o estabelecimento de regras para preservação e prestígio da língua portuguesa.
A maioria dos povos faz questão de preservar seu idioma. Quando a possibilidade de deterioração se torna muito grande, os legisladores intervêm para tentar impedir que isso ocorra. É o caso da França, que editou a Lei nº 94.665, de 4 de agosto de 1994, buscando disciplinar e prestigiar o uso da língua francesa.
No Brasil, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.893, de 1997, do eminente Deputado Remi Trinta, dispondo sobre o emprego do idioma oficial brasileiro, cuja aprovação rápida seria valiosa colaboração ao restabelecimento do nosso prestígio lingüístico.
Quando abordo as questões de nossa língua, sempre me lembro da minha época de escola.
Nos meus tempos de ginásio, em Campina Grande, estudei no velho e querido Colégio Diocesano Pio XI, parada obrigatória no itinerário das minhas lembranças e nas andanças das minhas saudades. Ali, fui aluno, aprovado com dificuldades, e, depois, fui professor, escolhido por generosidade. Um dia, o Professor Raimundo Gadelha Fontes, que nos ensinava Português, passou como dever de casa a leitura de um soneto de Olavo Bilac, intitulado Língua Portuguesa, que começa assim:
"Última flor do Lácio, inculta e bela, és, a um tempo, esplendor e sepultura"
Na sala de aula, o debate despertou em nós, alunos, o maior interesse pela língua pátria. O Professor nos falou de neologismo e de estrangeirismo, principalmente os anglicismos e os galicismos, palavras e expressões inglesas e francesas que entram no vocabulário do nosso cotidiano. Cada aluno teria que gravar, pelo menos, dez nomes franceses já incorporados ao nosso idioma. Para facilitar a memorização, preferi formar onze nomes, formando um time de futebol: abajur, chofer e butique; laquê, bisturi e filé; bureau, buquê, boné, toalete e purê.
A influência francesa, antes predominante, foi, aos poucos, abrindo espaço para os termos ingleses e é, hoje, cada vez mais crescente o anglicismo dentro do nosso idioma. Seja qual for o campo de atividades, o uso de palavras estrangeiras, notadamente inglesas, já se torna comum.
Na área dos esportes, por exemplo (e esporte já é uma palavra de origem inglesa), quase todas as práticas desportivas têm nome originário do inglês: futebol, tênis, basquetebol, vôlei, golfe, surfe, handebol, etc.
No ramo do Direito, também não é diferente. O writ, sucedâneo do mandamus latino, abriu porta para a common law, o due process of law, o impeachment e ainda a joint venture, o franchising, o leasing, o copyright, a holding, o lobby, a trading.
Com a globalização da economia, ficou mais fácil para o economês invadir o português: e tome open market, over night , spread, cash, fob, cif, trust, dumping, lockout, royalties, made in Brazil, hot money, etc. Já existe, inclusive, um Dicionário de Termos Financeiros e de Investimento, com mais de mil expressões inglesas, que me foi cedido ontem pelo Senador Esperidião Amin.
Na música, importamos o jazz, o swing, o reggae, o rock, o twist, o rap, o funk, a música country, e até o Falcão, nosso irreverente cantor, de forma cômica e irônica, dá ênfase ao inglês em suas letras, cantando: I´m not dog no (eu não sou cachorro, não!).
Na informática, a moda agora é site, mouse, byte, home page, shift, chip, e-mail, on line, software, game, afora os neologismos como deletar, formatar, navegar e clicar.
Hoje em dia, é esnobe, é chique, é VIP (very important person) usar palavras inglesas. Até as casas comerciais estão preferindo as denominações estrangeiras, mesmo que os produtos à venda sejam nacionais. No interior do Nordeste, um restaurante (e restaurante é nome francês), cuja especialidade é carne assada com macaxeira, adotou o nome de Steak Grill.
A invasão de termos estrangeiros tem sido tão intensa que ninguém estranharia se eu fizesse aqui o seguinte relato do meu cotidiano:
Fui ao freezer, abri uma coca diet; e saí cantarolando um jingle, enquanto ligava meu disc player para ouvir uma música new age.
Precisava de um relax. Meu check up indicava stress. Dei um time e fui ler um bestseller no living do meu flat. Desci ao playground; depois fui fazer o meu cooper. Na rua, vi novos outdoors e revi os velhos amigos do footing. Um deles comunicou-me a aquisição de uma nova maison, com quatro suites e até convidou-me para o open house. Marcamos, inclusive, um happy hour. Tomaríamos um drink, um scotch, de preferência on the rocks. O barman, muito chic, parecia um lord inglês. Perguntou-me se eu conhecia o novo point society da cidade: o TimeSquare, ali no Gilberto Salomão, que fica perto do Gaf, o La Basque e o Baby Beef, com serviço a la carte e self service. Preferi ir ao Mc Donald’s, para um lunch: um hamburger com milk shake. Dali, fui ao shopping center, onde vi lojas bem brasileiras, a começar pelas Lojas Americanas, seguidas por Cat Shoes, Company, Le Postiche, Lady, Lord, Le Mask, M. Officer, Truc’s, Dimpus, Bob’s, Ellus, Arby’s, Levi’s, Masson, Mainline, Buckman, Smuggler, Brummel, La Lente, Body for Sure, Mister Cat, Hugo Boss, Zoomp, Sport Center, Free Corner e Brooksfield. Sem muito money, comprei pouco: uma sweater para mim e um berloque para a minha esposa. Voltei para casa ou, aliás, para o flat, pensando no day after, o que fazer? Dei boa noite ao meu chofer, que, com muito fair play, respondeu-me: Good night.
Senhoras e senhores, muito obrigado, ou, se preferirem, thank you very much!"
Esta é uma amostra milimétrica do Advogado, do Poeta, do Intelectual, digno representante desta Paraíba na "Sociedade dos Poetas Mortos".
3 comentários:
D. Lourdes, suas considerações sobre a educação são realmente entusiasmantes, como é o próprio filme.
Sejamos conservadores para conservar bons valores. E revolucionários para introduzir novas idéias necessárias ao nosso desenvolvimento.
Parabéns pelo texto!
Matéria perfeita tia.
O "Espada de Dâmocles" está cada dia melhor.
Parabéns!!!
Educação, este item tão essencial em nossa sociedade moderna, infelizmente, no Brasil, não está em primeiro plano para nossos parlamentares. Por isto, ainda necessitamos do Bolsa Família para tentar manter as crianças na escola. Escola deveria ser um lugar de prazer, deveria causar uma felicidade nas crianças, mas, muitos, estão à procura da merenda e da Bolsa.
Postar um comentário