Quem sou eu? O que faço

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João Pessoa, Paraíba, Brazil
Quem sou? O que faço. Sou Maria de Lourdes, tenho, agora, 62 anos, esposa, mãe e avó, formação jurídica, com pós graduação em Direitos Humanos e Direito Processual Civil, além de um curso não concluído de Filosofia. Conheci os clássicos muito cedo, pois não tinha permissão para brincar na rua. Nosso universo – meu e de meus irmãos – era invadido, diariamente, por mestres da literatura universal, por nossos grandes autores, por contistas da literatura infanto-juvenil, revistas de informação como Seleções e/ou os populares gibis. Todos válidos para alimentar nossa sede de conhecimento. Gosto de conversar, ler, trabalhar, ouvir música, dançar. Adoro rir, ter amigos e amar. No trabalho me realizo à medida que consigo estabelecer a verdade, desconstruir a mentira, fazer valer direitos quando a injustiça parece ser a regra. Tenho a pretensão de informar, conversar, brincar com as palavras e os fatos que possam ser descritos ou comentados sob uma visão diferente. Venham comigo, embarquem nessa viagem que promete ser, a um só tempo, séria e divertida; suave e densa; clássica e atual. Somente me acompanhando você poderá exercer seu direito à críticas. Conto com sua atenção.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

QUINZE ANOS DE SAUDADES!

FAZER MEMÓRIA 



  
Como entender o tecido do tempo que se encarrega de diluir nosso sofrimento, embaçar nossa lembrança, enganar a memória e, ainda se atribui a autoridade de nos fazer viver, sorrir, crescer, apesar da dor. O tempo que segundo Machado de Assis “...é um tecido invisível em que se pode bordar tudo, uma flor, um pássaro, uma dama, um castelo, um túmulo. Também se pode bordar nada. Nada em cima de invisível é a mais sutil obra deste mundo, e acaso do outro."

Pois bem, o tempo de que falo teve hora marcada, possivelmente num outro nível, num mundo espiritual, onde fora definido o dia 30 de outubro de 1997, pelas 04:00 horas. Poucos sabem o que significa a experiência vivenciada naquela ocasião.


A história vale, e muito, uma retrospectiva. Durante vinte e quatro anos vivemos a emoção de termos conosco, como sobrevivente de um primeiro infarto, a figura querida e carismática de meu Pai. Homem simples, nascido numa fazenda no Município de Sapé, no ano de 1924, sendo um dos nove filhos do agricultor Severino Henriques e da dona de casa Beatriz Maria do Espírito Santo que recebeu, na Pia Batismal, o nome de Álvaro Henriques David.

Colhi, através de diversos depoimentos, que foi uma criança esperta, cheia de vida e de idéias, um aluno aplicado e um filho cujo amor transcendeu a esfera das aparentes afeições. Das histórias de sua infância, trago na minha mente, o seu zelo para com o trabalho e com as coisas da família, uma vez que aos oito anos de idade o seu pai já lhe confiava a contagem e vigilância dos frutos  que vendia em sua fazenda, Quem conviveu com meu pai, conhece bem a história dos caminhões de laranja, tantas vezes repetidas que nos já sabíamos de cor..   

Interessado, vigilante, sentiu-se fortemente atraído pelo saber. Estudou em escola simples, do interior, até o exame de admissão. Entretanto, para o nosso orgulho e admiração transitava, tranquilamente pelo universo dos cálculos, da álgebra, da trigonometria e de outros; os números não tinham segredo para ele. Lembro que a minha irmã Socorro, hoje Engenheira e Servidora Pública Federal, em sua luta constante com a disciplina Cálculo, sempre podia contar com nosso Pai que, para ajudá-la, demonstrava toda a sua aptidão para a famigerada matéria.



Assim, aquele que fora aluno de “Seu Ferreira”, famoso e temido mestre-escola de Sapé, reproduzia com acerto e boa pronúncia, frases inteiras em inglês; possuía uma grande capacidade de interpretação e síntese, guardando de memória trechos enormes e poemas trabalhados na sua infância. 


Dessa escola forjada no desejo do velho mestre, lembro que meu Pai falava com orgulho de ter sido um aluno querido, jamais ter levado um só bolo (castigo aplicado com uma palmatória) ou mesmo ficado de castigo, ajoelhado sobre milho  ou com o rosto encostado na parede como era de costume na época  Não, meu  Pai não veio ao mundo à passeio, sempre teve uma missão e essa compreendia, entre muitas coisas, não deixar de ajudar a quem necessitasse.   

Aos dezoito anos sofreu o seu primeiro e maior revés, ficou órfão de pai, cuja perda se deu em virtude do agravamento da Diabetes, doença que vitimou meu avô aos quarenta e poucos anos, deixando uma profunda marca e da qual papai jamais se dissociou. Nos acostumamos, desde crianças, a reconhecer o dia vinte e quatro de julho, pela tristeza que o acometia, durante todos os anos de sua vida, nessa data o vi, muitas vezes,  com lágrimas, silenciosas, que desciam por seu rosto.


A vida mais uma vez seguiu o seu curso. Meu Pai conheceu o amor de sua vida, também em Sapé, cidade que tanto amava. Casou com mamãe, menina rica, que estudou interna, no Colégio Nossa Senhora do Rosário, em Alagoa Grande, dirigido por Irmãs Dorotéias, Ordem fundada por Madre Paola Frassinette, e que tocava piano e lia em Francês. Todavia, todo o projeto de educação que a levou a diplomar-se no Curso Normal, aos dezesseis anos. O status de Professora não foi obstáculo para que se enamorasse, profundamente, daquele amigo de infância e que se tornaria seu marido, pai de seus cinco filhos e o grande companheiro de sua vida por quarenta e oito anos.

Pai extremamente dedicado aos seus filhos. Dono de uma visão fantástica.Tendo estudado apenas até o Exame de Admissão ao Ginásio, preocupava-se sobremaneira com a nossa formação, inclusive, a escolar. Assim, cada um de nós começou a sua peregrinação, de Santa Rita para João Pessoa, aos cinco anos de idade quando iniciava seu aprendizado na Capital. As mulheres no Colégio Nossa Senhora de Lourdes – as Lourdinas, e meu irmão mais velho no Colégio Arquidiocesano Pio XII. Lembro que minha irmã mais nova, Socorro, era tão pequena e achava tão difícil acordar as cinco e trinta da manhã que, somente após estar totalmente vestida era despertada e, quando acomodada para fazer o trajeto de uma cidade a outra,  normalmente o fazia dormindo até o colégio.


Sem qualquer formação específica, papai usava conosco a terapia do amor.  Incentivava a cada um de nós a buscar o crescimento interior, a cultuar o amor a Deus, o respeito ao próximo, a sermos honestos e éticos. De uma simplicidade nata tinha grande devoção ao Nosso Senhor do Bonfim e a Nossa Senhora da Penha. Lembro que insistia conosco, suas filhas para que nos dedicássemos aos estudos pois, apesar de entender que todos precisavam constituir uma família, dizia sempre que o melhor marido de uma mulher era a sua autonomia econômica e financeira.

Não permitia que brincássemos fora de casa. Minha mãe, na sua visão de mestra, influenciou-o a adquirir  excelentes obras que encheram a nossa infância e adolescência. O nosso imaginário foi invadido por gente como Aliéksei, Ivã e Dmitri Karamazovi, Anna Karenina, Lady Chatterley, ao  tempo em que o faziam, também, o Pirata Barba Negra, Robson Crusoé, Tarzan, Capitão Rodrigo, Ana Terra, Gabriela, Guma, Vadinho, Dona Flor , Pato Donald, Mandrake, Zorro, O Fantasma e os Pigmeus, Zé Carioca que conviviam tranquilamente com Emília, Narizinho e tantos outros personagens. Para meu Pai esse era um mundo maravilhoso e no qual ele fazia questão que nós entrássemos pela porta da frente.

Dele tenho as melhores lembranças. O amor que nos dedicava, o apelido carinhoso de “Londrina”, o gosto pela música de cantores e compositores nacionais que preferencialmente reverenciavam o romântico, o regional, os sentimentos puros; a paixão pelos esportes com ênfase, primeiro ao futebol, destacando os times de seu coração: Botafogo da Paraíba e do Rio de Janeiro e o Santos de Pelé, como ele assim o chamava e, em segundo o Voleibol, objeto de sua paixão e que praticara quando mais jovem e a que incentivara  minha irmã mais velha - Paula e a mais nova - Socorro, ambas levantadoras e igualmente apaixonadas.

Entre os momentos mágicos lembro que ao fazer quinze anos recebi dele uma gargantilha de ouro, um vidro de Fleur de Rocaille, um livro do Pequeno Príncipe e uma meia fina de seda. Para ele se iniciava uma nova etapa da minha vida.


Assim era meu Pai. Amava cantar e se deliciava entoando os versos românticos da Deusa da minha Rua e Fascinação, músicas que o deslumbravam. Dançava dentro de cada ritmo. O seu excesso de peso desaparecia na hora de rodopiar no salão nos conduzindo, encantando, divertindo. Todas as filhas dançavam com ele. O faziam com alegria e prazer. Dança de salão, marchinhas, frevo, tudo lhe caia bem. A alegria se espalhava por seu rosto, cobria-se de suor, dançava com o corpo e a alma, como tudo o que fazia, cheio de dedicação, tenacidade, perseguindo uma aproximação com a perfeição.

Trabalhador incansável, testemunhei muitas e muitas vezes, por ocasião das festas de final de ano, o inchaço de suas pernas  e os seus pés cobrirem-se de bolhas, causados pelo longo período em que permanecia de pé ou pelo constante ir e vir, normalmente iniciado as três e trinta da madrugada quando ia para a padaria que, naquela época, trabalhava em três turnos, com três turmas e um único dono.


Cuidadoso com o seu produto o meu Pai jamais entregou seu negócio à administração de quem quer que fosse, cuidava ele mesmo de cada detalhe e jamais deixou de tê-lo pronto na hora determinada, independentemente da presença ou não dos trabalhadores. Foram incontáveis as ocasiões que ausente o mestre, meu Pai arregaçava as mangas e preparava o que chamava de fermento que era, na verdade, a preparação de toda a massa, com medidas e quantidades precisas, para que fermentasse e ao chegar os operários que dariam prosseguimento numa segunda fase encontrassem tudo na mais perfeita ordem. Assim era aquele querido e resoluto homem que amava seu trabalho, orgulhava-se de ser panificador.

Habilidoso no trato com os demais era orgulhoso da forma como se relacionava com seus fregueses. Tinha sempre uma palavra amiga, um gesto carinhoso para com as crianças, um jeito especial de ser e fazer amigos. Guardo muito nítida em minha memória as vezes que o vi sair de casa para transportar uma mulher em trabalho de parto, para socorrer um doente, para auxiliar financeiramente um necessitado. Não era mão aberta, não gostava de jogar fora aquilo que adquirira com esforço e suor, mas, sabia reconhecer a verdadeira necessidade.Proprietário de padaria ramo classificado como Indústria e Comércio, jamais teve uma condenação na Justiça do Trabalho. Num tempo em que o empregador era apresentado ante as varas trabalhistas, sempre como vilão o meu Pai apenas por duas únicas vezes adentrou a uma sala de Audiências, saindo de cabeça erguida e sem sofrer uma só condenação.

Os seus filhos homens, Álvaro e Fábio, sempre foram tratados com seriedade e amizade. Depositava no mais velho a mais profunda confiança, via-o como um homem de bem que realmente é, tendo um enorme orgulho daquele que se incluía entre as primícias de sua descendência. Ao meu irmão mais novo dedicou um amor característico dos “finais de rama”, era severo mas capaz de atitudes inusitadas quando o assunto era Fábio.


Ávido por informações tornou-se um devorador de jornais e boas revistas, dentre elas Seleções e Veja, sobre as quais mergulhava, estando sempre em dia com a notícia. Conseguiu junto com sua inseparável companheira que os seus cinco filhos obtivessem graduação em nível superior. Sorriu, vibrou, dançou e se emocionou cada vez que alguém conseguia concluir o seu curso. Esse era meu Pai, participativo, um esteio para sua família e a quem muitos buscavam nos momentos de dificuldade.


Quis o destino que um sexto infarto o levasse. Sofrera o quinto e em razão de tal fato permanecera treze dias hospitalizado. De volta a sua casa, o acompanhei juntamente com os meus filhos - Fred e Luzia, fechando o meu apartamento. O meu coração estava pesado, alguma coisa sugeria que seria diferente. Ele também pressentia,  me pedira, na  véspera de sua partida, na presença  de minha mãe que não o deixasse ir para a UTI, ali sofrera profunda solidão pela falto de um rosto amigo; queria morrer em casa, em seu quarto, em sua cama, cercado por seus familiares.

Deus atendeu as suas preces. Na madrugada de 30 de outubro de 1997, descansava de um dia corrido onde trabalhara na PGE, durante a tarde e no Colégio e Curso Integral, ministrando aulas num cursinho noturno, preparatório para Concurso Público na área Jurídica; me sentia sufocada. Por volta da meia noite o surpreendi de pé, necessitava ir ao banheiro e tomar água. O acompanhei e seu olhar me disse claramente que permanecesse fora, respeitasse aquele momento seu, de fora, com muita apreensão esperei que terminasse e com muito cuidado o conduzi até a sua cama. Perguntei-lhe: “Papai o senhor precisa de mais alguma coisa? Ele me olhou com aqueles olhos castanhos, tão doces e disse, não minha filha vá descansar. Jamais poderia imaginar que seriam as últimas palavras que trocaríamos, ele que amava a vida, as flores, os pássaros e os seres humanos esta próximo a nos deixar.

Adormeci. Ao meu lado minha filha e num terceiro quarto, o meu filho. Ambos adolescentes e tendo por referência masculina em suas vidas, o Avô. Acordei com o som de um gemido. Corri, encontrei no corredor o meu filho e fui acompanhada  de minha filha. Encontrei meu Pai com as pernas fora da cama e o dorso em posição muito incômoda. Mamãe ao lado dele parecia não acreditar no que se passava. Rapidamente pedi que Luzia a tirasse de lá sob o pretexto de ligar para meu irmão.

Rapidamente busquei o isordil, Fred amparou Papai encostando –o em seu peito, olhando em seu olhos coloquei o comprimido sob a língua, segurei seu queixo por alguns instantes e permaneci com sua mãos entre as minhas acariciando-o, vi a vida ir aos poucos fugindo daqueles olhos tão gentis e especiais. Naqueles ínfimos segundos lembrei do que fora pedido pouco antes. Roguei a Deus misericórdia para meu Pai, mas, a dor e o sofrimento eram tão intenso que nada pode ser feito.

Meu irmão, médico, veio correndo a pé, de madrugada, apenas de calça de pijama. Do gemido para a confirmação do óbito foram intermináveis  dois minutos. O olhar de Álvaro não precisou de palavras, a lágrima silenciosa lembrou-me que era necessário despedir-se daqueles olhos e fechá-los para que visse melhor contemplando a eternidade. A dor rasgou o meu peito, suavemente fechei –os e , não sei de onde, tirei forças para agradecer a Deus pela misericórdia com aquele que foi um anjo em nossas vidas.

Mas, a dor não terminara. Como dizer a alguém que o amor de sua vida partiu? Como dizer a minha Mãe, tão frágil,  que o meu Pai se fora? Foi difícil, muito, muito mesmo.




A mim restou a certeza de que perdera uma parte importantíssima de minha vida. A sensação que tive foi a de que eu que já era pobre fiquei infinitamente mais pobre ainda pois perdera um dos tesouros de minha existência.

Hoje,  30 de outubro de 2012,  pela primeira vez em 15 anos, consegui escrever sobre o assunto, apenas sei que enquanto houver um resquício de vida, de sanidade em mim, jamais o esquecerei, jamais deixarei de ser grata por tudo o que recebi, o amor, a formação, os princípios cristão, a fé, a religião, o respeito aos outros, isso auferi  de um casal ímpar: Álvaro e Luzia, por quem agradeço e rogo a Deus todos os dia.




4 comentários:

Manoel Carlos Alves disse...

Passei, vi, li e gostei muito desse blog... Deixo um convite para ir até o meu blog e fazer uma visitinha; Serás bem bem vindo(a); http://inkdesignerstampas.blogspot.com

Manoel Carlos Alves disse...

OBRIGADO POR SUA VISITA, JA SEGUINDO SEU BLOG... BEIJINHOS EM SEU CORAÇÃO...

Luíza disse...

"Não chore não viu? Não chore não viu? Não chore não viu? Nem vá chorar...lalalalala"
É isso que ele tem pra dizer.
Saudades eternas.
Luíza

Gió, Giló, Geloflex... disse...

..."Ninguém lhe atura, mulher preguiçosa!" Kkkk...
Lindo texto tia, fiel em cada letra!
Saudades...